A licitação pública é um procedimento administrativo obrigatório em todas as esferas do poder público brasileiro — municípios, estados e União. Regida pela Lei Federal nº 14.133/2021, conhecida como Nova Lei de Licitações e Contratos, ela estabelece regras uniformes para compras governamentais, contratação de serviços e execução de obras. Por se tratar de legislação federal, nenhuma prefeitura tem liberdade para criar um sistema próprio ou modificar o processo. Qualquer discordância sobre o modelo deve ser direcionada ao Congresso Nacional, responsável por elaborar, alterar e aprovar leis.
A finalidade da licitação é garantir a seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública, assegurando princípios como legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, previstos no art. 37 da Constituição Federal e reiterados no art. 5º da Lei 14.133/2021. O processo também busca assegurar igualdade entre empresas concorrentes e proporcionar transparência na aplicação dos recursos públicos.
Embora o tema seja amplamente debatido, muitas interpretações equivocadas surgem por falta de conhecimento sobre as etapas da licitação e sobre a diferença fundamental entre valor licitado e valor efetivamente gasto. A licitação não determina que a administração comprará tudo aquilo que está previsto no edital; ela apenas estabelece um limite máximo de aquisição, que poderá ou não ser utilizado durante o período contratual.
Antes de realizar a licitação, o órgão público deve elaborar uma estimativa de preços, conforme exige o art. 23 da Lei 14.133/2021. Essa estimativa é realizada com base em cotações junto a, no mínimo, três fornecedores, consultas a bancos de preços e registros formais de mercado. Importante destacar que essa fase exige a projeção do máximo que poderá ser necessário adquirir ao longo do ano, garantindo planejamento e evitando falta de materiais essenciais.
Para exemplificar, considere a compra de medicamentos para a rede municipal de saúde. A administração estima, com base no histórico de uso, consumo de unidades ao longo do ano, e elabora uma cotação para o teto máximo. Se a estimativa for de 5 mil caixas de determinado medicamento, essa quantidade constará no orçamento e no edital. Contudo, durante o ano, se a demanda real for de apenas 400 unidades, a prefeitura pagará somente pelas 400 consumidas, e não pelo total licitado.
O mesmo raciocínio se aplica à merenda escolar. A Secretaria de Educação projeta o consumo anual de arroz, óleo, leite, hortifrúti e outros itens, como exige o planejamento orçamentário. Ainda que o edital preveja o fornecimento de, por exemplo, 20 toneladas de arroz, o município somente pagará pela quantidade efetivamente entregue mês a mês, respeitando o consumo real das escolas.
Na iluminação pública, a prefeitura pode licitar 2 mil lâmpadas para manutenção ao longo do ano, mas se apenas 150 forem utilizadas, apenas essas 150 serão pagas. Em materiais de limpeza, pode-se licitar 10 mil frascos de álcool 70%, mas se as unidades consumirem 1.300, apenas os 1.300 serão pagos. Em combustíveis, a administração frequentemente licita um limite de 300 mil litros para abastecimento de toda a frota municipal. Contudo, se ao final do ano o consumo total for de 70 mil litros, o pagamento ocorre somente sobre essa quantidade.
Essa forma de contratação é denominada Sistema de Registro de Preços, previsto nos arts. 82 a 86 da Lei 14.133/2021, que permite que a administração tenha um “banco de preços” disponível para comprar conforme a necessidade, sem obrigatoriedade de aquisição integral do quantitativo previsto.
É importante frisar que o valor presente no edital representa teto máximo, não despesa realizada. Em muitos municípios, inclusive, o consumo real fica muito abaixo do previsto. Espigão do Oeste, por exemplo, utiliza menos de 20% do total licitado, o que reforça o caráter preventivo e planejado do procedimento.
Portanto, quando alguém observa um edital com valores elevados, não está sendo apresentado o gasto real da prefeitura, mas sim o limite autorizado, calculado conforme exige a legislação federal. A licitação funciona como planejamento e garantia — não como despesa imediata.
Por fim, vale reforçar: o modelo, as regras, os limites e as modalidades de licitação não são definidos pelos municípios. Tudo é estabelecido pela Lei Federal 14.133/2021, aprovada pelo Congresso. Assim, se alguém discorda do sistema, entende que deveria ser mais rígido, mais flexível ou funcionar de outro modo, a cobrança deve ser direcionada aos deputados federais e senadores, responsáveis pela criação, alteração e votação das leis que regem o país.
A licitação, portanto, é ferramenta essencial para a transparência e a boa gestão dos recursos públicos — e é igual em todo o Brasil, porque assim determina a lei.
Por: Rafael Marques








